As mudanças acontecem com alguma frequência e vem, sempre acompanhadas de dúvidas, incertezas e expectativas. Apesar de nem sempre agradáveis no imediato, as mudanças são sempre boas, colocam-nos à prova, fazem-nos sair da nossa zona de conforto, por vezes alcançar metas inimagináveis, fazem-nos crescer, evoluir, tornarmo-nos melhores ou talvez só mais experientes…
Seja como for o ano de 2020 trouxe mudanças a vários níveis a todos nós.
Não por influência do Covid-19, mas a saída do António Gomes da Presidência da Direcção Porbatata no final de Abril de 2020, já estava traçada, no entanto não deixou de trazer a toda a estrutura da Porbatata alguma agitação.
Pessoalmente conheci o António Gomes ainda estudante e não poderia deixar de escrever sobre a sua passagem pela Porbatata, enaltecendo o seu magnifico trabalho enquanto primeiro Presidente da Associação da Batata de Portugal, pois para mim foi e será sempre uma referência no sector associativo, em particular no sector da batata. Um ser humano de excelência, de valores irrepreensíveis, muito com ele aprendi, não só ao nível profissional, mas também pessoal.
Pedi-lhe para escrever um pequeno artigo sobre a sua passagem pela Porbatata, mas os dias, semanas e meses até, foram passando e nada de artigo… Até que decidi que o melhor seria recolher o seu depoimento numa “pequena” entrevista, (sim pequena, porque apesar de extensa, muito haveria para dizer):
António és uma referência no sector da batata, e estiveste na origem da Porbatata, qual foi a tua motivação, para estares na sua origem?
António Gomes: A Porbatata surgiu de uma pequena organização que existia, chamada Consórcio da batata primor, foram 5 ou 6 organizações que faziam parte da FNOP, que trabalhavam com batata primor, fez-se esse consórcio para começar a promover a batata portuguesa e especialmente a batata primor para exportação e nesse grupo fomos fazendo algumas acções, participando em algumas feiras como consórcio de uma forma muito simples, e nasceu a ideia de se formar uma organização profissional. Das pessoas mais motivadas e que avançou com a ideia de se formar a associação foi o Burnay (José Burnay da Campotec), no início não demos muito credito à ideia, mas depois achamos que seria bom de fazermos uma organização transversal a todo o sector da batata, por isso a minha motivação foi mesmo essa, arranjar uma organização que pudesse representar o sector desde a produção à comercialização e depois também pensamos na industria, falamos com mais algumas organizações, a maioria faz hoje parte dos órgãos sociais, começamos a pensar nos estatutos e aí eu estive sempre na primeira linha com o João Pereira e a Terra Projectos a pensar nos estatutos e normativos da associação, fizemos a escritura aqui na Lourinhã, já não me lembro bem em que momento surgiu o nome da Louricoop e do António Gomes para encabeçar a Associação como presidente da Direcção, mas estava longe da minha ideia ser eu o Presidente, tudo bem ser dos órgãos sociais, não tinha previsto isto, e até pensava ser o Burnay, ele sim faria todo o sentido , mas ele disse logo, “eu fico Presidente da Assembleia geral”, é um cargo mais institucional, e depois foi ele que disse tem de ser o António Gomes o Presidente da Direcção, primeiro disse que não, o que me levou realmente a aceitar, foi pensar na Louricoop e pensar que seria bom para a região da Lourinhã encabeçar a Direcção, falamos com a Câmara e também acharam bem, que nos arranjariam um local para a associação ter a sua sede e o seu escritório, por isso aceitei, com o espírito de missão no sentido de que seria bom para a região, com muita tradição na batata, mas que nos últimos anos já não é tão forte como já foi e foi nesse sentido que aceitei ser presidente em nome da Louricoop, mas foi coisa que nem estava nos meus objectivos, agora que sai, saio com o espírito de missão cumprida.
Sendo o sector da batata um dos sectores agrícolas mais difíceis de que forma achas que o teu papel como Presidente da Porbatata contribuiu para alterar o cenário e até mesmo as mentalidades dos operadores e dentro do sector?
António Gomes: Eu nunca tive ilusões, desde o inicio eu sempre disse que o principal objectivo da Porbatata era representar o sector, tentar que os vários agentes comunicassem uns com os outros sabendo que é um sector muito difícil, não há sectores fáceis, mas este é particularmente difícil, a produção não tanto, a industria e os factores de produção também não mas o comercio é um sector muito difícil, sempre ouvimos falar nos” batateiros”, em todos os concelhos há N “batateiros”, especialmente nestes concelhos mais fortes de batata, são pessoas que trabalham cada um por si, sempre de costas voltadas, sempre cheias de segredos, felizmente hoje o sector da batata já não é só composto por este tipo de empresas, já temos empresas maiores, grandes embaladores, com um quadro de pessoal significativo, com técnicos, alguns com gestores, mas lá no fundo no fundo os verdadeiros patrões são um bocadinho “batateiros”. Sempre disse que estávamos cá para fazer o melhor, a associação existe por um lado para representar o sector ao nível institucional, do governo, das várias instituições, lá fora no estrangeiro e acho que esse papel a associação tem vindo a cumprir, criar dialogo com outros países, temos ido a feiras, recebido pessoas cá, junto das instituições publicas, é uma associação que começa a ser cada vez mais reconhecida como a associação do sector, internamente é que eu acho que é mais difícil, não haja ilusões, mas tudo o que se conseguir fazer é bom, vamos tentando trabalhar dentro do que é possível, acho que tem sido bom, temos conseguido colocar as pessoas dentro de uma sala a conversar normalmente, pelo menos para se conhecerem melhor, mesmo que depois saindo dali cada um faça o seu percurso, mas pelo menos já se juntam, já falam, e o sector da batata não é só comercio, é produção, é factores de produção, é a produção a falar com a industria, é a industria a falar com o comercio e acho que tudo isto tem melhorado o sector, mas são melhoras, são progressões que vão acontecendo quase de forma invisível, e há coisas que vão mudando as mentalidades, de forma muito subtil as pessoas quase nem se apercebem porque aquilo que é mais perceptível e mais imediato não muda.
Qual no teu ponto de vista deverá ser o caminho a seguir pela Porbatata nos próximos anos? É o que tem vindo a ser traçado ou achas que deverá haver aqui um caminho diferente?
António Gomes: Eu sou suspeito, porque estive na génese na Porbatata, e o que ela hoje é tem uma parte minha, do meu contributo e tem sido possível. O óptimo é inimigo do bom, e não devemos querer o óptimo em tudo, mas desde que se chegue a um caminho, o caminho faz-se caminhando, hoje é assim, amanhã é diferente, não vale a pena estarmos a traçar caminhos muito firmes, e a pensar que é mesmo aquilo, este ano veio o Covid e alterou isto tudo. A associação tem estado a fazer um bom caminho, acho que a campanha de promoção da batata deste ano foi um sucesso, com mais ou menos resultados, mas acho que deu nas vistas e acho há aqui material para poder continuar a trabalhar, foi bem concebida, eu só a comecei a preparar, e nunca pensei que o resultado pudesse vir a ser tão bom, mas a equipa esteve muito bem, tendo em atenção os custos, tem material para continuar, acho que é para continuar este tipo de acções.
Que mensagem deixarias ao teu sucessor?
António Gomes: A mensagem que quero deixar é desejar-lhe as maiores felicidades, pois a felicidade dele será também a felicidade da associação, tenha todo o empenho e que consiga os maiores êxitos, mas ele também não está sozinho, tem uma grande equipa, tem o resto dos membros da direcção e dos órgãos sociais, os sócios, mas também tem a Sandra e mais alguém que há-de vir, também tem a Terra projectos e a Evaristo, e agora temos um projecto internacionalização para desenvolver, tem aqui material para a associação poder progredir, sempre com os pés assentes na terra, realmente a batata vem da terra, não devemos tirar os pés da terra, sempre com as preocupações no futuro, e por isso desejo-lhe as maiores felicidades e pode contar com o meu apoio se dele necessitar.
*Entrevista realizada por Sandra Pereira Secretária Geral da Porbatata a António Gomes Presidente da Porbatata entre 2016 e 2020