Dos Andes para o Mundo – nos primórdios
A batata é o tubérculo mais popular do mundo e revolucionou a história da alimentação do povo europeu. Mas a espécie solanum tuberosum nem sempre granjeou tamanha fama entre os consumidores quando chegou à Europa, proveniente do Peru, na América Latina.
Todas as variedades de batata atualmente existentes – cerca de 3.000 em todo o mundo – descendem de uma única, originária da Cordilheira dos Andes, perto do Lago Titicaca. Embora no país dos Incas já se cultivasse e consumisse batatas há milhares de anos, este tubérculo ainda não havia sido disseminado pelo resto da América do Sul. Só no século XVI, quando os navegadores espanhóis e portugueses a provaram, no seu local de origem, é que a batata começou a ganhar mundo.
Uma maldição na Europa – século XVI
Não se sabe exatamente como nem de onde proveio, mas a tese mais consensual é a de que terão sido os colonizadores espanhóis a trazê-la para a Europa e a divulgar o seu cultivo, por volta de 1530. Saída diretamente da mesa do império Inca e trazida para o “Velho Continente”, a batata causou, desde logo, pelo seu aspeto rústico, má impressão aos europeus, pelo que a população se mostrou reticente quanto ao seu cultivo. Tão desprezada era que foi acusada de ser maléfica e dar às bruxas o poder de voar, uma vez que nem sequer vinha citada na Bíblia. À época, acreditava-se que a aparência dos alimentos era uma indicação das doenças que podia causar e, por se considerar que este tubérculo fazia lembrar as mãos de um leproso, rapidamente se espalhou o mito de que comê-lo causava lepra. A opinião por parte dos médicos da época também não era muito diferente, considerando-a indigesta e desenxabida, apenas adequada ao sustento dos animais e um mal necessário nas longas viagens dos navegadores pelo mundo – o que ajudou a disseminar a batata em geografias tão longínquas quanto a Índia, a China e o Japão.
A disseminação – século XVIII
O agricultor e cientista francês Antoine Augustin Parmentier, depois de ter sido feito prisioneiro durante a Guerra dos Sete Anos (1756-1763), que opôs França à Prússia, e obrigado a comer batatas diariamente no seu cativeiro, é considerado o grande responsável pela disseminação do cultivo da batata em França e nos países a Ocidente. Ao regressar ao país de origem, publicou uma série de estudos que davam conta dos altos níveis nutritivos da batata e convenceu o rei Luís XVI de que este alimento poderia solucionar os problemas alimentares do povo francês.
A difusão do cultivo e do consumo da batata revolucionaria a Europa e as suas gentes. Fornecedora de todos os nutrientes essenciais, com exceção das vitaminas A e D, a batata também demonstrou ter uma grande produtividade não só por hectare, mas também em termos de calorias, capaz de duplicar a disponibilidade alimentar europeia.
Adam Smith, o famoso filósofo e economista escocês, escreveu na famosa obra A Riqueza das Nações que, caso esta cultura viesse a ocupar a mesma proporção de terras dedicadas ao cultivo de trigo e outros tipos de grão, “sustentaria um número muito maior de pessoas e a população aumentaria”.
Alimento revolucionário – século XIX
No século XIX, a batata era o alimento mais importante dos operários nas fábricas, numa altura em que os ingleses também já a tinham levado para a América do Norte. O filósofo alemão Friedrich Engels, que com Karl Marx formulou o Manifesto Comunista, chegou mesmo a comparar a batata ao ferro, por ter um “papel historicamente revolucionário”.
Em Portugal, a batata foi inicialmente cultivada em meados do século XVIII, em regiões como Trás-os-Montes, Minho e Beiras. As invasões napoleónicas, no início do século seguinte, com os soldados franceses a trazerem batatas nas suas provisões, ajudaram a divulgar o alimento.
Em 1870, o livro de culinária O Cozinheiro dos Cozinheiros, da autoria de Paulo Plantier, coloca pela primeira vez a batata nos tratados de culinária, apresentado 18 maneiras de a cozinhar. Seis anos depois, outro livro, Arte de Cozinha, de João da Mata, introduz a batata nas mais variadas receitas, tornando-a indispensável à gastronomia portuguesa.